Marina Magalhães nasceu em Recife. Mora no Rio de Janeiro, onde é graduanda em Direito pela UFRJ e pesquisa literatura, linguagem e educação. Tem textos publicados pelas revistas digitais Mallarmargens e Contempo e um vídeo-poema na revista portuguesa Intro, em que partilha parte do seu estudo de tradução da obra de Charles Baudelaire.
o éden arranha céus
essa é a história:
adão dispõe sobre a mesa
uma férrica mão de barro;
as minhas se escondem
próximas aos pulmões.
não para tocar o coração,
mas a caso de ainda serem
parte de costela.
são ossos
que sustentam esse paraíso
– enormes
ㅤㅤㅤㅤ estruturas
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤde
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤchumbo.
algures
uma voz de serpente
me sibila ei,
por acaso,
não deveria o amor
ser mais leve que isso?
“And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted—nevermore!”
Edgar Allan Poe
desconfio que dentro de ti
lá no fundo de uma artéria da virilha
habite um pequenino urubu-rei
num espaço antes da pele antes
do osso antes do sangue
se aglutinar às hemácias
antes da fecundação do ovócito secundário
na verdade, muito antes de seus pais
serem seus pais e antes mesmo
desse território ser Brasil
– ali naquela artéria
os teus aprenderam a dilacerar
a bicar e a penetrar uma carne
feito a minha e por haver tanto tempo
parece-me que ninguém vê
mas esta noite um bicho me invadiu o sonho
era meio não-sei-o-que, essas coisas
que só fazem sentido nos sonhos
depois era meio corvino e pensei no óbvio
mas uma moça disse hey, it’s not a raven
alguém recitava o poema do Poe daí
você apareceu e eu chorei, essas coisas
que só fazem sentido na vida real
não sei se você talvez tenha morrido
por isso tenho sonhado com corvos, ou melhor,
urubus & deuses & poetas & demônios
não sei, mas
acordei com a mandíbula dolorida
penso que deva ser bruxismo
ou a força com que mordo
a sanidade por ter sobrevivido a você
na verdade não sei
se você talvez tenha morrido e se eu
tampouco
Foto de Luísa Machado.